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7 de outubro de 2012

Charge ou Cartum ? – Entrevista com Raul Motta, por Clarice Villac

Charge ou Cartum ? 

Entrevista com Raul Motta, arte-educador, poeta e artista plástico*
                             por Clarice Villac, em outubro de 2012
          (clique nas imagens para ver em tamanho maior!)
Raul, você pode nos dizer qual a diferença, quando é mais indicado classificar a arte como  ’cartum’ ou ‘charge’?
Sabemos que seria só uma tentativa aproximada, visto que ‘exatidão’ nessa área é quase impossível.
Inicialmente é importante dizer que essa diferença de classificação não existe em todas as partes do mundo: nos EUA, por exemplo, ambas as expressões e até mesmo o desenho animado são chamados de cartoon.
Mas aqui no Brasil adotamos o termo francês charge (“carga”, numa tradução direta), um termo aplicado a desenhos de crítica social ou política e que comentam de forma satírica acontecimentos da atualidade. [ILUST.01]
 ilust.01_CHARGE_Sinfrônio
Daí a presença dos chargistas quase sempre na seção de opinião dos jornais diários e a relação da charge com a caricatura.
Uma charge, a princípio, se justifica por se posicionar contra alguém ou alguma coisa.
Para que o leitor entenda uma charge, portanto, é necessário que ele esteja a par dos acontecimentos do momento. Ou, ao inverso, podemos nos informar e aprender sobre a história de um país por meio das charges publicadas na imprensa. [ILUST.02]
lust.02_PORTRAIT-CHARGE_Nássara_Corrente pra trás, 1982_os presidentes do regime militar
De um modo geral o cartum [ILUST.03]
 ilust.03_CARTUM_Borjalo
se diferencia da charge por não ter a obrigação de ser engajado, tomar partido e, principalmente, por ser mais atemporal.
Mas, como você disse, as fronteiras às vezes não são tão explícitas: existem cartuns de crítica social [ILUST.04]
ilust.04_CARTUM_Henfil
e até mesmo de motivação político-ideológica. [ILUST.05]
 
 ilust.05_CARTUM_sem identificação de autor
Mas o cartum clássico tem uma vida mais longa que a charge e é mais universal, seu humor tende a ser igualmente compreendido inclusive por pessoas que vivam em contextos diferentes, tanto geográficos quanto temporais e históricos.
Mas existe uma outra categoria de cartum, da qual o norte-americano de origem romena Saul Steinberg (1914-1999) foi o “pai” e grande mestre : o desenho de humor. Como a criação antecede a classificação, o termo surgiu para dar conta das diferenças qualitativas do seu trabalho relativamente ao cartum clássico. Steinberg criou um tipo de humor gráfico extremamente refinado e, quase sempre, feito a partir dos próprios recursos “linguísticos” do desenho. [ILUST.06]
ilust.06_DESENHO DE HUMOR_Saul Steinberg
Que conselho você daria para o jovem que gosta de desenhar?
Os conselhos são os óbvios: veja muito, desenhe ainda mais. O poeta Mário Quintana diz não acreditar em influências, mas em confluências.
Assim, deve-se ver de tudo e, principalmente, não se deve temer estudar o trabalho dos outros e ser influenciado por algum desenhista que se admira, pois isto significa que este outro é também um pouco você, e será preciso passar por ele para um dia criar seu próprio estilo.
E desenhar ainda mais, porque o artista gráfico “pensa” (também) com as mãos: o simples ato de rabiscar pode levar ao surgimento de uma ideia, ou de um personagem.
Além disso, é sempre bom cultivar uma cultura visual ampla: cinema, artes plásticas, HQs e todas as demais artes visuais têm coisas em comum e diferenças que se alimentam ou complementam.
Para você, qual a importância de eventos como os Salões de Humor?
O de Piracicaba já está em sua 39ª edição, o da Amazônia na 4ª edição…
Os salões de humor são importantes por colocar em evidência os criadores de uma produção que quase sempre é “perecível”.
Cartuns e charges em geral são consumidos no dia a dia e depois simplesmente desaparecem, têm vida curta na memória do leitor médio.
Além disso, existem salões que elegem e propõem temas aos participantes, o que colabora para que questões socialmente importantes ganhem destaque.
Você acha importante que aconteçam mais exposições de desenhos, em geral, como em escolas, clubes, associações comunitárias?
Como professor do ensino fundamental acho importante aproximar crianças e jovens do desenho de humor.
O humor é também uma forma de manifestação da inteligência humana e a dupla leitura que um cartum ou tirinha pode proporcionar, a leitura do texto em si e a “leitura visual”, são muito enriquecedoras.
Dando aulas, percebi que crianças que têm facilidade em criar uma história em quadrinhos com um roteiro bem estruturado têm mais chance de escrever um texto com facilidade. Desde então, tenho trabalhado as HQs como forma de organizar o pensamento e estruturar a escrita.
Outro gênero muito rico é o cartum sem palavras: estimula o pensamento visual, pois quase sempre exige um tipo de percepção que se relaciona com um raciocínio mais sofisticado.
O desenho seria, em alguma medida, um caminho possível para melhorar o mundo?
Bom, esta é uma questão a que todas as artes, vez ou outra, são chamadas a responder, né?
Acho que é porque nós, humanos, somos esses eternos insatisfeitos… Penso que as linguagens artísticas são canais de intuição de novas possibilidades, campos de manifestação da criação e recriação humanas, mas confesso que tenho uma certa resistência à expressão “melhorar o mundo”, simplesmente porque existem muitas visões diferentes, e muitas vezes conflitantes, quanto ao que seja um “mundo melhor”. Mas gosto muito de uma frase do Goethe: “O homem é o único animal que pode se desumanizar”. Então, se o desenho ou qualquer outra arte servir para nos manter humanos, acho que já estaria cumprindo uma função essencial.
E no entendimento de si próprio-desenhista, o desenho contribui?
Esta é uma pergunta ainda mais subjetiva e sutil.
Os gregos clássicos usavam a palavra “poiesis” para definir um tipo de criação que incluía um “criar-se”, um fazer que também seria um “fazer-se”. Se criar é experimentar e experimentar pressupõe uma dose de aventura, de “não saber enquanto se faz”, então o sujeito que cria se descobre no criar.
Mas não creio que esta concepção se aplique a uma charge ou cartum, que têm objetivos mais direcionados, partem de uma ideia e a realizam do modo mais direto e “econômico” possível, pois pretendem, antes de mais nada, comunicar algum “conteúdo”.
É por isto que em determinada época da minha vida senti a necessidade de fazer cursos livres de desenho e pintura, pois creio que sejam linguagens mais propícias ao tipo de liberdade criativa em que o sujeito criador pode se espantar consigo mesmo…
Na sua vida, que lugar ocupa o desenhar?
Ao longo do tempo e do viver, este lugar foi mudando.
Sempre desenhei, mas os objetivos e principalmente a motivação sofreram muitas transformações.
Em termos de profissão, meu batismo foi como cartunista no saudoso Pasquim, no final da década de 1970. Nesse período a motivação era social e política, ainda vivíamos a ditadura, eu era um “militante do traço” e fazer humor era uma coisa séria…
Depois que entrei para a faculdade o desenho se somou à comunicação visual, e trabalhei como designer e ilustrador. Paralelamente, fiz cursos livres de pintura e desenho, pois o trabalho de designer era muito cerebral, precisava me expressar de outras maneiras.
Mas percebi que não queria ser um artista plástico e, assim, cursei uma nova faculdade e me tornei arte-educador. Desde que me tornei professor, desenhar se tornou uma espécie de “linguagem auxiliar”, pois o foco do trabalho é propiciar aos outros algum tipo de experiência com as linguagens visuais.
Acho legal ser um professor que tem essas experiências distintas com o desenho, pois posso compreender melhor cada aluno, suas habilidades, potencialidades e preferências em relação a essas mesmas linguagens.
Mas acho importante frisar que, no meu entender, o objetivo das aulas de arte na escola não deve ser a formação de artistas, mas propiciar experiências significativas em arte aos alunos, sejam elas da natureza que for.
Raul Motta_autorretrato_03out.2012
*Raul Motta, arte-educador, poeta e artista plástico, carioca, do Rio de Janeiro, RJ.
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