A educação é uma área que desperta muitos interesses – e não me refiro ao interesse dos pais por verem seus filhos e filhas escolarizados(as). Na grande mídia, não se poupa matérias nem reportagens para se difundir os interesses de grandes grupos que também atuam no setor educacional. A visão de educação por eles difundida é extremamente utilitarista e equivocada e, mesmo sendo hegemônica, não se trata da única. Felizmente, ideias que dificilmente teriam espaço nessa grande mídia dispõem da internet para a difusão de peças como a entrevista, realizada com Miguel Sanches Neto, pelo Jornal da Manhã. O entrevistado, além de professor universitário na Universidade Estadual de Ponta Grossa, nos últimos anos vem firmando um nome respeitável na literatura brasileira.
Para Sanches Neto, nunca se deu importância à educação como no momento em que estamos vivendo. O que não significa em nosso país ela ser prioridade, ao contrário de atividades que definem a personalidade do brasileiro como “ir ao bar, jogar futebol, carnaval”. Um elemento essencial, na visão do autor, é a valorização do professor. “A condição do professor no Brasil é quase uma condição de pária social. Toda vez que você fala em professor, você fala de um indivíduo sofrido, das más condições de trabalho, de baixos salários, de atraso de salário, do desrespeito que ele sofre na sala de aula. Quando um grupo de alunos desrespeita um professor na sala de aula, não é que os alunos não sejam educados, não é que eles não gostem do professor; os alunos refletem o olhar que a comunidade tem do professor. (…) Estão dizendo (…) o que a sociedade pensa sobre ele.”
Uma saga literária
A afirmação de Sanches Neto é correta; a profissão não tem valor em nossa sociedade. Outro elemento que chama atenção na entrevista “é que a escola tem que ser um lugar mais atraente. Vivemos a era do entretenimento, seja nos jogos eletrônicos, seja na televisão, e tudo isto tem um poder muito grande para fisgar a atenção dos jovens. Enquanto isso, a escola funciona no velho modelo, como um depósito de alunos entediados. No geral, é um lugar materialmente precário, feio, que não tem nenhum outro atrativo a não ser aquela pessoa que vai lá passar o conteúdo”. Nem sempre os alunos são apenas entediados; por vezes também são violentos tornando os professores vítimas de maus tratos físicos.
Sanches Neto também toca numa questão triste ao afirmar que “boa parte dos professores de literatura não é leitor”. Infelizmente, é verdade e não vale apenas para a literatura. Incentivado pelo entrevistador, o escritor prossegue até dizer que o que vai afirmar é polêmico: “eu acredito que para ser professor de literatura você não precisa ser formado em Letras. Precisa, antes de tudo, ser leitor. Aliás, não precisa ter nenhuma formação universitária. A principal ferramenta didática para formar um leitor literário – aquele que lê romance, crônica, poesia – é o entusiasmo pela leitura. Não é uma ferramenta técnica, é sangue correndo nas veias em um outro ritmo, é o desejo incontido de comunicar um prazer conquistado. E qualquer ser humano, qualquer profissional, qualquer pessoa alfabetizada que leia, e que tenha esta chama literária, pode ser um grande incentivador da leitura, um grande formador de leitores”.
Certamente, a declaração acima pode desagradar muitos professores de Letras, inclusive colegas do entrevistado, tendo em vista que se trata também de um professor acadêmico. Mas não deixa de fazer algum sentido, muito embora seja uma punhalada naquilo que talvez seja uma das únicas coisas que os professores pensam possuir: o seu saber, ou fazer aquilo para que foi treinado. A afirmação do autor, neste sentido, põe em evidência a encruzilhada em que os professores se encontram: profissionais desvalorizados, cujas práticas são desacreditadas mesmo por aqueles que os defendem. Enfim, sujeitos dignos de uma saga literária.
José Alexandre da Silva é professor de história e mestrando em educação, de Ponta Grossa, Paraná.
** Publicado originalmente no site Observatório da Imprensa. - AGÊNCIA ENVOLVERDE